Portugal – Guiné (1963/74): Nota de propaganda dirigida aos “homens do mato” durante a Guerra Colonial Portuguesa

Olá a todos! Nesta minha primeira publicação vou falar-vos acerca de um documento de elevada importância histórica, seja pela época em que foi feito, o motivo para a sua criação, a forma com que era utilizado, ou até pelo seu desenho estético.

Convém referir também que este documento faz parte da minha coleção pessoal, tendo sido oferecido pelo meu avô.

Espero que gostem ;)

Antes de partir para explicações mais complexas, adianto já que esta era uma propaganda militar, usada pelo Exército Português durante a Guerra Colonial, no antigo território da Guiné Portuguesa (1963/74), atualmente Guiné - Bissau.

Contexto Histórico

Mapa da Guiné Portuguesa, retirado de um manual de Geografia da década de 60

Estas propagandas eram deixadas pelas tropas portuguesas no mato, clareiras, trilhos, bolanhas (vasto terreno pantanoso e fértil, usado geralmente para o cultivo de arroz) e nas regiões fora do controlo português, na esperança de que os guerrilheiros do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), as suas tropas e população se entregassem às autoridades administrativas e militares portuguesas.

Este documento fazia, portanto, parte da "guerra psicológica" posta em prática durante a Guerra Colonial, em que os portugueses tentavam influenciar os "inimigos" ao transmitirem a sensação que seriam bem tratados pelos portugueses após a sua rendição.

Trata-se de um documento muito interessante, embora revele uma certa ingenuidade e uma estética de eficácia duvidosa.

Não existe qualquer indicação do seu autor ou origem, mas uma coisa é certa: era destinada especificamente ao teatro de operações da Guiné, sendo hoje valiosa pelo seu interesse iconográfico e historiográfico.

Anverso da propaganda

Nota de propaganda (coleção pessoal)

Como já devem ter reparado, a frente desta propaganda é muito parecida com uma nota, tendo sido, portanto, inspirada na nota de 1000 Escudos de 1964, emitida pelo Banco Nacional Ultramarino para uso na Guiné Portuguesa.

Nota original ( imagem retirada da Numista )

A ideia de se inspirarem numa nota em circulação no território em conflito, naquela época em questão, faz sentido, uma vez que, conforme o texto, os “homens do mato”, caso se apresentassem às tropas portuguesas e lhes dessem as suas armas (rendendo-se), receberiam, em troca, dinheiro para comprar comida e roupa.

Podemos ver, à direita, o retrato de Honório Pereira Barreto (1813-1859), governador de Bissau, do Cacheu e da província da Guiné, e, nos cantos, o valor 1000 (escudos), ligados por uma moldura com desenhos. Estes são elementos figurativos em comum com a nota de 1000 escudos em que foi inspirada.

Transcrição do texto da propaganda:

"Homem do Mato

A tua arma vale dinheiro

Apresenta-te à tropa

Troca a tua arma por dinheiro e

poderás comprar roupa e comida"

Reverso da propaganda

Reverso da propaganda (coleção pessoal)

No topo vemos uma mão a segurar uma Pistola-metralhadora Shpagin-41, arma de fabrico soviético, alimentada por um carregador de tambor de 71 munições (7,62×25mm Tokarev), que, para além de ter sido muito usada durante a Segunda Guerra Mundial, também foi utilizada pelo PAIGC durante a Guerra Colonial. Por baixo desta está uma mão a segurar várias notas e moedas.

Observando a imagem e as legendas, percebe-se que a mão que segura a arma é de um guerrilheiro do PAIGC, que a entrega a um militar português, em troca do dinheiro que está na mão deste.

Curiosidade: A Pistola - metralhadora Shpagin - 41 ficou conhecida entre os militares portugueses como "a costureirinha" uma vez que o som produzido ao disparar em rajada contínua assemelhava-se ao barulho produzido por uma máquina de costura. Esta tinha uma taxa de disparo de cerca de 900 tiros por minuto e também era muito manobrável, com 3,63 kg de peso (descarregada) e 843 mm de comprimento.

Shpagin - 41

Transcrição do texto da propaganda:

"A tua arma pelo teu bem estar

A tua arma vale dinheiro

Homem do Mato

A Guiné Portuguesa oferece-te o bem estar

Apresenta-te à tropa ou autoridades

Regressa, traz a tua arma

Terás dinheiro para comprar

Comida e roupa"

Dimensões: 172 × 89 mm

Conclusão

Esta propaganda representa um esforço feito pelos portugueses, no decurso da Guerra Colonial, pela rendição dos guerrilheiros do PAIGC, sem a utilização de armas, mas únicamente por propagandas que prometeriam bons tratos a quem se rendesse. Isto também poderá mostrar um certo desespero por manter um "Império Colonial", embora seja duvidosa a eficácia destas propagandas militares.

A própria utilização de elementos figurativos da nota de escudo com mais valor na época, e representações de uma troca de uma PPSh-41por uma quantia de dinheiro também reforçam o efeito psicológico que causaria aos revoltosos.